Camponeses e camponesas sem terra que há 23 anos ocuparam um latifúndio improdutivo em Jardim Alegre (PR) agora repartem com trabalhadores da cidade os frutos da luta, da terra e do trabalho. As 555 famílias do assentamento 8 de Abril doaram 4 toneladas (4 mil quilos) de alimentos para entidades e comunidades de Jardim Alegre, Arapuã e Ivaiporã, neste sábado (9). Essa é a segunda distribuição feita pelos assentados desde o início da pandemia do coronavírus. A primeira ocorreu no dia 17 de abril e também reuniu cerca de 4 toneladas.
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“Eu era uma pessoa que não tinha nada, fiquei tanto tempo acampado na esperança de ter um pedaço de terra. Hoje a gente tem o pedaço de terra, tem a comida, tem a dignidade e tem esse valor grandioso que é de solidariedade de poder distribuir a nossa produção pras pessoas que estão mais necessitadas nesse momento”, garante Valdemar Batista, conhecido como Nego, agricultor agroecológico que vive na comunidade desde o início da ocupação, em 1997, e hoje é integrante da coordenação da comunidade.
Grãos, tubérculos, hortaliças e frutas: tudo direto dos produtores para as famílias que já enfrentam a angústia de não ter alimentos para colocar na mesa por consequência da pandemia do coronavírus e pela ineficiência ou omissão dos governos. Os produtos foram distribuídos por meio da Associação dos Sem Teto Nossa Senhora do Rocio de Jardim Alegre; do Lar Santo Antônio e Paróquia Santo Antônio de Ivaiporã; e da Igreja Assembleia de Deus de Arapuã.
A produção orgânica da agricultora Nilce Pasa Ferreira fez parte das toneladas de alimentos distribuídos. “Nós, como assentados da reforma agrária, temos o compromisso e a consciência de dividir com os necessitados o produto que a gente colhe. Estamos em campanha de arrecadação de alimentos e pra gente é um orgulho e um prazer hoje a gente ter o que dividir com os nossos irmãos necessitados”, diz.
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As memórias de Valdemar Batista sobre o início da ocupação mostram que, assim como a terra passou a produzir, a relação com a população urbana frutificou. “Nós, que já fomos considerados aqui na região como vândalos, ladrões de terra, baderneiros, hoje vemos a sociedade olhando pra gente agradecendo e reconhecendo o assentamento e o MST como uma bênção de Deus. Isso é o que a gente mais ouve as famílias dizerem quando estão recebendo o alimento. Nos agradecem dizendo que ninguém faz o que nós estamos fazendo. Pra nós é uma gratidão muito grande”, relata o camponês.
Pastor Junior integra a Igreja Assembleia de Deus de Arapuã, uma das entidades a receber as cestas de alimentos no sábado, e resume o significado da ação do Movimento: “Quero agradecer a todos ali do assentamento por esse gesto de carinho e de amor, que não mediram esforços pra estar aqui, mostrando que eles têm produzido e plantado. Essa doação vai servir de alegria a muita gente que vai receber”.
A ação integra uma campanha nacional de doações de alimentos do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST). No Paraná, mais de 90 toneladas já foram doadas em todo o estado. “A gente espera que esses governos, as autoridades, reconheçam a nossa luta e façam o assentamento imediato das famílias acampadas, para que realmente as famílias possam ter um pedaço de chão e ter o seu sonho conquistado”, reforça Valdemar Batista. Mais de 7 mil famílias do Paraná vivem sob ameaças de despejos desde o início das gestões de Ratinho Junior (PSD), à frente do governo estadual, e de Bolsonaro (sem partido), na Presidência da República.
Do latifúndio improdutivo à terra de fartura
O assentamento 8 de Abril foi criado há 14 anos, mas a luta pela efetivação da reforma agrária na região começou muito antes. O nome da comunidade marca o dia em que cerca de mil famílias iniciaram a ocupação da antiga fazenda Corumbataí, conhecida como fazenda Sete Mil, em 8 de abril de 1997. Os 13,8 mil hectares da área eram improdutivos, isto é, não cultivado para alimento e renda a trabalhadores do campo, nem ajudava a movimentar a economia do município e da região.
“Eu não tinha nada. Vim acampar com umas panelinhas, um fogão à lenha e comida que dava pra passar uma semana. No começo foi bastante difícil, principalmente a pressão muito grande da polícia, do governo, de despejo”, relembra Valdemar Batista, memórias que se repetem entre as milhares de pessoas que fazem parte da história da comunidade.
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Ao longo dos 23 anos de organização e trabalho, o latifúndio improdutivo se transformou em espaço de produção abundante e diversificada. A comercialização e distribuição dos alimentos é feito pela Cooperativa de Comercialização Camponesa do Vale do Ivaí (COCAVI), criada pelo assentamento e composta por 279 cooperados, de cinco municípios do Vale do Ivaí. Em 2019, foram comercializados 62 toneladas de hortifrúti e 3 milhões de litros de leite, em parceria com outros laticínios da região.
Os alimentos são distribuídas em 43 escolas estaduais por meio do Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE) e do Programa de Aquisição de Alimentos (PAA). Para 2020, o projeto da Cooperativa é inaugurar duas agroindústrias para processamento de panifícios, legumes e frutas.
O assentamento também integra a Rede Ecovida de Agroecologia, que realiza a certificação participativa de produção de orgânicos. Dezenas de produtores já conquistaram ou estão prestes a receber o selo de qualidade do plantio orgânico, como as famílias de Nilce Pasa Ferreira e Valdemar Batista.
Além dos frutos expressivos na produção de comida, as famílias assentadas conquistaram a Escola Municipal do Campo José Clarimundo Filho, que recebe 214 estudantes, e o Colégio Estadual do Campo José Marti, onde estudam 240 alunos. Uma unidade de saúde instalada na comunidade também garante atendimento médico e odontológico aos moradores.
Para Valdemar Batista, as mais de duas décadas de organização e luta das famílias Sem Terra comprovam que a reforma agrária dá certo: “A gente vê a grandiosidade do nosso povo, do povo do MST, e o que o MST faz na vida das pessoas, por transformar a nossa vida. Ficamos muito grato por tudo que conquistamos, com muito mais ânimo pra seguir plantando diversidade e orgânico, sem veneno. Pode ter certeza que não vai parar por aí”, garante.
Fonte: BdF Paraná
Edição: Vivian Fernandes e Lia Bianchini