Por Susana Ferraz
Jornalista Sete Estrelas Comunicação.
Maluh Barciotte, bióloga, mestre em genética e doutora em Saúde Pública e Ambiental, é integrante do Núcleo de Pesquisas Epidemiológicas em Nutrição e Saúde da Universidade de São Paulo (USP), onde desenvolveu pós-doutorado sobre Escolhas Alimentares. Trabalha desde o final da década de 80 com os temas saúde, alimentação, sustentabilidade, ética e relações de consumo. Fundadora da Associação de Agricultura Orgânica – AAO e do Instituto Kairós, que atua em prol do consumo responsável, recentemente Maluh Barciotte assumiu a presidência da AAO. Nesta entrevista, fala sobre os desafios a serem enfrentados para o crescimento do mercado de produtos orgânicos e agroecológicos no Brasil.
1- Como se dá o trabalho da AAO?
Maluh Barciotte – A AAO é uma associação sem fins lucrativos cuja missão é promover a prática da Agricultura Orgânica e da Agroecologia em toda a sua plenitude. Nosso objetivo é disseminar para a população os valores do alimento orgânico, assim como, a defesa, a preservação e a conservação do meio ambiente no caminho da sustentabilidade ambiental e social. Nós trabalhamos para valorizar a agricultura orgânica e agroecológica realizando ações como estudos, pesquisas e cursos.
2- Qual o principal papel da AAO frente ao crescimento da agroindústria vinculado ao desenvolvimento da indústria de produtos agrotóxicos e transgênicos?
Maluh Barciotte – A AAO nasceu do movimento pioneiro dos anos 70 que apresentou uma alternativa à chamada “Revolução Verde” – que nada tinha de “verde” –, implantada no Brasil durante a ditadura militar, e que transformou a agricultura brasileira na atual agroindústria. A nossa visão de futuro já mostrava naquela época que esse modelo era suicida, porque não protege o solo e todo o biossistema – ao contrário, ele empobrece o solo e envenena o sistema, assim como as pessoas. Hoje vemos o que está acontecendo com a água e com a poluição, assim como vemos a degradação das nascentes e também o avanço de uma série de doenças relacionadas à má alimentação da população brasileira (obesidade, alergias e até o aumento de casos de câncer). É por isso que a AAO trabalha principalmente pela conscientização das pessoas.
3- Como se dá esse trabalho de conscientização?
Maluh Barciotte – A AAO, resumidamente, atua por quatro frentes principais:
Articulação Política no Estado de SP e no âmbito Federal
Apoio aos Produtores de Produtos Orgânicos em Geral
Cursos de Capacitação
Difusão de Informação e Mobilização da População
Esse último tópico nós trabalhamos de diversas formas, desde a atuação com a nossa Associação de Produtores, com as nossas feiras de orgânicos, até o apoio à realização de estudos, pesquisas e eventos que divulguem a alimentação orgânica e sustentável.
4- Esse trabalho tem avançado no Brasil?
Maluh Barciotte – O sistema agrícola atual está baseado em um círculo vicioso que só pode ser alterado por políticas públicas consistentes nascidas de movimentos sociais. É para isso que trabalhamos, para criar, em contraposição, círculos virtuosos. Foi assim que conseguimos a legislação que apóia, em âmbito federal, a produção orgânica e agroecológica em todo o território nacional, assim como outros grandes avanços atuais. No ano passado, foi lançada a segunda edição do Guia Alimentar para a População Brasileira, pelo Ministério da Saúde, que deixa clara a importância da alimentação orgânica e agroecológica e especialmente recomenda o consumo de alimentos minimamente processados – frente ao perigo dos alimentos ultraprocessados para a saúde das pessoas. Ele é distribuído gratuitamente e pode ser acessado no site: http://dab.saude.gov.br/portaldab/biblioteca.php?conteudo=publicacoes/guia_alimentar2014.
A alimentação é feita de escolhas. Somente se as pessoas conhecerem de fato a verdade sobre os alimentos disponíveis é que poderão saber como escolher.
5- A escolha do consumidor pelo alimento orgânico pode crescer muito nos próximos anos?
Maluh Barciotte – Sem dúvida, cada vez mais vemos pesquisas que mostram que o consumo de alimentos ultraprocessados, com agrotóxicos, e de transgênicos, está provocando uma séria de doenças. O próprio Instituto Nacional de Câncer José Alencar Gomes da Silva (INCA), órgão do Ministério da Saúde, já divulgou dados a respeito da relação dos agrotóxicos com o aumento do câncer. Acredito que vivemos hoje um momento de mudança. Vamos sair do que eu chamo de “normose”, que é a patologia da “normalidade”, e ver quanto “veneno” tem em nossas mesas e que é possível mudar essa realidade. Tem muita coisa boa acontecendo, com o empenho da sociedade civil. Aqui em São Paulo, por exemplo, avançamos com a priorização dos alimentos orgânicos e agroecológicos na merenda escolar (mais de 2 milhões de refeições/dia). Sabemos que não é do dia para a noite que toda a merenda escolar será orgânica, mas esse caminho está sendo construído, com incentivo aos produtores e com a preferência de compra. É assim que podemos avançar mais no futuro.