“Mulheres empreendedoras sabem há muito tempo como é difícil conseguir dinheiro em uma sala cheia de homens. “Eu entrava em uma dessas salas com caras entre 40 e 50 anos – investidores em potencial – e eles simplesmente me miravam com um olhar vago, do tipo ‘Não entendi’. Às vezes, eles diziam: ‘Você pode mandar amostras para minha esposa?’”, contou Rachel Drori, fundadora da Daily Harvest, um serviço de entrega de refeições feitas com alimentos orgânicos.
E se Drori e tantas outras como ela pudessem apresentar seu negócio a uma sala cheia de mulheres?
Em uma noite gelada de janeiro, cerca de 275 empreendedoras se inscreveram na unidade do SoHo, em Nova York, do The Wing, um clube de coworking exclusivo para mulheres, para uma noite de apresentação de projetos apenas para mulheres. Elas organizaram assentos (cadeiras dobráveis cor-de-rosa, sofás cor de menta, poltronas marrons) e os comes (prato de vegetais, queijo, vinho) antes do evento principal: dez startups apresentariam propostas de negócios a potenciais investidoras, assim como a pessoas interessadas em aprender ou trabalhar com elas.
O encontro foi batizado de Wingable, homenageando tanto o clube quanto Able Partners, uma empresa de capital de risco de Nova York que já investiu dinheiro em cada uma das dez empresas. O fundo, que foi criado há três anos por Lisa Blau e Amanda Eilian, tem servido como um primeiro investidor para algumas companhias fundadas por mulheres, incluindo The Wing e Goop.
Antes do evento, as startups passaram seis semanas em um programa de treinamento da Able refinando o modelo de negócios e a apresentação. “Nós o chamamos de a antítese do ‘Tanque de Tubarões’, porque todas já são vencedoras. Elas estão sendo financiadas pela Able e estamos tentando trazer mais investidoras para a tabela de capitalização”, afirmou Blau.
Entre as participantes, estava Alexandra Wilkis Wilson, cofundadora da Gilt Groupe e, mais recentemente, da Glamsquad. Ela disse que estava discutindo um investimento com duas startups do Wingable. “Sei que muitas mulheres estão vindo com o talão de cheques aberto”, comentou, contemplando o grupo.
Segundo o site Crunchbase, desde outubro de 2017 as mulheres somam apenas 8% do número total de sócios investidores nas cem maiores empresas de capital de risco. E, no ano passado, as fundadoras receberam apenas 2,2% dos US$ 130 bilhões (R$ 500 bilhões) investidos nos Estados Unidos, segundo a firma de análises PitchBook e a organização de apoio All Raise. Isso soma US$ 2,9 bilhões (R$ 11 bilhões); em comparação, uma única empresa, a Juul, que produz cartuchos de cigarro eletrônico com sabor de fruta, faturou US$ 12,8 bilhões (R$ 49 bilhões).
O Wingable apresentou um microcosmo de uma visão de mundo diferente: quais seriam as empresas financiadas pelo capital de risco se mais mulheres controlassem o dinheiro?
“Precisamos da antiga rede de mulheres. Se você pensar no ecossistema que os homens têm, um empreendedor do Vale do Silício faz centenas de milhões de dólares e não vai para casa se aposentar; ele começa a investir em outras empresas”, explicou Linnea Conrad Roberts, presidente da Gingerbread Capital e ex-sócia da Goldman Sachs, enquanto acenava para Blau. Ela complementou: “Para ser honesta, o problema são as pessoas como eu, que se colocaram às margens, fazendo filantropia, se aposentando da carreira em Wall Street e não pensando mais nisso. Passei boa parte do tempo apenas tentando fazer com que as mulheres tivessem mais foco. Tudo de que elas precisam é de um pouco de informação, contatos e acesso a coisas maravilhosas como essa. É uma forma livre de olhar para as empresas.”
Liz Lange, a pioneira da moda maternidade, bateu no ombro de Roberts para cumprimentá-la; Jennifer Fleiss, cofundadora da Rent the Runway, se sentou na frente delas. “Homens jamais organizariam um evento como este”, comparou Roberts. “A comida seria horrível e não seria tão bem organizado assim, e os egos: você ia precisar sair para respirar um pouco de ar fresco. Não precisamos jogar golfe ou pôquer para estarmos juntas e fazermos negócios.”
Vinho e lenços de papel
Blau e Eilian não quiseram declarar o tamanho do fundo, mas disseram que, no portfólio, existem 38 empresas com investimentos que começam em US$ 50 mil (R$ 190 mil). 20% das startups têm homens em funções executivas.
A Able não é o único fundo de investimento recentemente formado a ter como alvo as mulheres. Em 2015, Arlan Hamilton, uma empresária musical que já morou nas ruas, criou a Backstage Capital, um fundo de capital de risco de US$ 36 milhões de dólares (R$ 138 milhões) dedicado a “fundadores subestimados” – mulheres, negros e a comunidade LGBTQ.
Em 2014, Anu Duggal começou o fundo Female Founders, que hoje ela dirige com o Sutian Dong, um fundo de capital de risco que investe apenas em startups fundadas por mulheres. É um mundo pequeno cheio de coincidências: Blau deu ao fundo Female Founders um dos seus primeiros cheques, e muitas das empresas que participaram do Wingable tinham conversado com o Backstage Capital e o Female Founders.
Em setembro do ano passado, Blau e Eilian esboçaram a ideia que resultaria no encontro Wingable em janeiro. Em outubro, elas publicaram um chamado para as startups interessadas, especificando que estas deveriam ter pelo menos uma fundadora que se identificasse como mulher e estar em fase de pré-lançamento, ou seja, ter menos de US$ 5 milhões (R$ 19 milhões) de receita.
Em duas semanas, Blau e Eilian receberam mais de 800 inscrições. Elas contrataram duas pós-graduadas com MBA para examinar todas as fichas e pediram à irmã de Eilian, Sarah Godwin, que anteriormente trabalhava no departamento de seleção do Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT), que elaborasse uma matriz de avaliação para os candidatos mais promissores. Em novembro, a Able já tinha escolhido dez startups para apoiar; o fundo acabou investindo um total de US$ 700 mil dólares (R$ 2,5 milhões) no grupo em diversos níveis de equidade.
Durante um “campo de treinamento” de seis semanas, Eilian e Blau ofereceram às mulheres acesso à sua rede de contato de investidores e conselheiros; deram treinamento de mídia; designaram um mentor para cada uma, incluindo Wilkis Wilson, CEO da SoulCycle, Melanie Whelan e o cofundador da Away, Jen Rubio; além disso, separaram algumas horas para melhorar o conhecimento delas sobre como usar o PowerPoint para produzir apresentações de propostas.
Um dia antes da demonstração no Wing, o grupo se reuniu no West-Bourne, um café vegetariano no SoHo, para praticar as apresentações. Um projetor foi montado perto da pasta de couve-flor roxa e de outros canapés. Quando Zofia Moreno, criadora da bebida probiótica Oba, confundiu-se em sua fala na metade do roteiro, Bea Arthur, que começou um serviço de terapia sob demanda chamado Difference, gritou: “Você está indo muito bem, é normal!”
Outras ensaiaram frases de efeito e pequenos trechos do discurso desenvolvidos para o Twitter. “Nossas ferramentas não são barras e esteiras ergométricas; são vinhos e lenços de papel”, definiu Shannon McLay, de 40 anos, que abriu uma rede de centros de coaching para educação financeira chamada Financial Gym.
Em fevereiro, a Prefeitura de Nova York anunciou que investirá US$ 30 milhões (R$ 115 milhões) em startups dirigidas por mulheres por meio de um programa chamado WE Venture, em parceria com empresas de capital de risco privadas que tenham experiência na área. Alicia Glen, vice-prefeita responsável pela iniciativa, confirmou que pedirá à Able dicas sobre negócios e sobre empreendedoras promissoras.
“Você não vai querer deixar uma mulher inteligente ou uma boa ideia ser negligenciada só porque não funciona para uma gerente de fundos em particular. Provavelmente, Lisa vê muita coisa que não é apropriada para ela, mas que nos serviria bem. Se nos apresentassem alguma substância à base de maconha que você passa no corpo para ficar alta e magra, bem, essa proposta deveria ir para a Lisa. Sou uma burocrata de meia-idade; não entendo nada dessas coisas”, ponderou Glen.”
Fonte dessa matéria: Gazeta do Povo