Um mundo mais pobre, mais protecionista e mais preocupado com questões ligadas à sanidade e à sustentabilidade, no qual o agronegócio brasileiro terá que ampliar acordos comerciais e lapidar melhor a imagem de fornecedor confiável de alimentos. Esse é o cenário pós-pandemia para o setor desenhado pelo Ministério da Agricultura e seus 23 adidos agrícolas.
Diante da tendência de empobrecimento geral da população mundial, projetam, haverá prejuízos para segmentos premium e a intensificação de um protecionismo baseado na ascensão do chamado “nacionalismo agrícola”, que buscará privilegiar a produção local e a soberania alimentar em detrimento de importações.
Para evitar que o país perca mercados e continue a ampliar as exportações do agronegócio, que giram em torno de US$ 100 bilhões por ano, um documento oficial que o ministério deverá publicar em breve diz que “o Brasil deve se mostrar estrategicamente como um parceiro confiável e que prioriza relações de longo prazo, contribuindo para a segurança alimentar global”.
Entre os apontamentos do documento também está a necessidade de o país firmar novos “acordos comerciais abrangentes” que consolidem condições favoráveis de acesso a seus produtos em outros mercados, sobretudo alguns considerados estratégicos como China, Coreia do Sul, Japão e Vietnã. Esses acordos, realça o trabalho, poderão ser firmados com ou sem a participação dos demais países do Mercosul.
O documento enfatiza a orientação da gestão atual da ministra Tereza Cristina de diversificar a pauta de exportações e os destinos das vendas, para “mitigar a volatilidade e aumentar a resiliência do sistema exportador brasileiro”. Hoje, o Brasil exporta para mais de 180 países.
O perfil dos produtos exportados também terá que passar por mudanças. Segundo a Pasta e seus adidos, alguns elos da cadeia produtiva têm que se adaptar à demanda por conveniência e a um novo estilo de vida que, apostam especialistas como o ex-ministro Roberto Rodrigues, vão persistir depois da pandemia. Produtos vendidos em embalagens menores, com maior tempo de prateleira, orgânicos, funcionais e nutracêuticos estão entre os que terão que ser melhor trabalhados.
A percepção de Tereza Cristina é que as dinâmicas globais de abastecimento, produção, comércio e formulação de políticas agrícolas “sofrerão mudanças irreversíveis” após a crise. Mesmo assim, a ministra mantém seu tradicional otimismo, baseado nas curvas de aumento da produção de grãos e das exportações do setor. “Temos investido por décadas em nossas cadeias agroalimentares, que se mostraram de fato resilientes neste momento crítico”, diz no documento.
Levantamento da equipe internacional do ministério confirma que a covid-19 está reaquecendo as discussões sobre a sustentabilidade da produção, sobretudo ambiental, e uma maior preocupação com a sanidade dos alimentos. “É necessária a constante conscientização dos principais parceiros comerciais, inclusive com a promoção da imagem do agronegócio brasileiro junto às sociedades de cada país. O aumento do nacionalismo, com a opção pela compra de produtos locais, poderá dificultar ainda mais esses esforços”, afirma o documento.
Na visão do secretário de Comércio e Relações Internacionais do ministério, Orlando Ribeiro, o Brasil sairá ganhando no período pós-pandemia, apesar dos desafios. “Não deixamos de atender nenhum país com alimentos de qualidade, e isso será reconhecido. Ainda que possam ocorrer movimentos de valorização de produtos locais, sairemos maiores desta crise”, disse ao Valor. Nesse sentido, a meta do governo brasileiro é avançar em certificação eletrônica e trâmites aduaneiros e manter facilidades aplicadas durante a crise por alguns países, como redução de tarifas e outras barreiras.
Mesmo assim, o documento deixa clara uma preocupação com movimentos protecionistas. Segundo a Pasta, isso poderia “privilegiar determinados atores econômicos em detrimento dos consumidores, tendo como consequência desabastecimento, aumento do preço dos alimentos e precarização dos segmentos mais vulneráveis da população”.
Na visão da equipe do ministério, o comércio agrícola internacional será ainda “mais administrado” daqui para a frente, com redução de tarifas e travas em momentos de temor de desabastecimento e a volta de níveis elevados de subsídios quando for conveniente para estimular as agroindústrias locais. “Há o risco de a pandemia ser utilizada como pretexto para o emprego de subsídios em níveis desproporcionalmente elevados. É preciso separar medidas emergenciais daquelas que gerarão distorções e premiarão a ineficiência no longo prazo”.
Fonte: Valor Econômico.